BOTTLED STORIES OUTUBRO - HUGO MENDES VINHOS

BOTTLED STORIES OUTUBRO - HUGO MENDES VINHOS

HUGO, COMO COMEÇOU A PAIXÃO PELO VINHO, E O QUE O MOTIVOU A SEGUIR UMA CARREIRA COMO ENÓLOGO?
HUGO MENDES: HÁ UM PRELÚDIO QUE COMEÇA PELO FACTO DE NÃO SER UM GRANDE FÃ DE CERVEJA. O VINHO SURGIU CEDO COMO ALTERNATIVA, E GOSTEI MUITO DA COMPLEXIDADE E DA VARIABILIDADE QUE, NA ALTURA, NÃO VÍAMOS NA CERVEJA. ESTUDEI BIOTECNOLOGIA E QUERIA SEGUIR UMA CARREIRA DE INVESTIGAÇÃO NA ÁREA DO CANCRO. PERCEBI QUE, PARA FAZER ALGO COM IMPACTO, TERIA DE SAIR DO PAÍS, E NESSA ALTURA ESSA NÃO ERA UMA HIPÓTESE QUE ME AGRADAVA. PROCUREI, ENTÃO, OUTRAS SAÍDAS DENTRO DO MEU ESPECTRO DE CONHECIMENTOS E SURGIU A OPORTUNIDADE DE EXPERIMENTAR O VINHO, NUM ESTÁGIO DE VINDIMA NA QUINTA DA ALORNA, EM 2004. FOI UM ANO ESPECIAL, DIFÍCIL A MUITOS NÍVEIS E MUITO ENTUSIASMANTE PARA QUEM GOSTA DE DESAFIOS E DE OPORTUNIDADES PARA SE SUPERAR. FOI PAIXÃO IMEDIATA, E PERCEBI QUE QUERIA FAZER VINHO PARA O RESTO DA VIDA. AINDA HOJE, A VINDIMA TEM EM MIM UM CERTO EFEITO DE “RENOVAÇÃO DOS VOTOS”.


 
COMO É QUE O HUGO DESCREVERIA A FILOSOFIA DE VINIFICAÇÃO NOS VINHOS HUGO MENDES? EXISTE UMA LINHA MESTRA QUE SEGUE EM TODOS OS SEUS VINHOS?
HUGO MENDES: ESSAS HISTÓRIAS DAS FILOSOFIAS (QUE MAIS PARECEM RELIGIÕES) SÃO, EM GERAL, UMA GRANDE PALERMICE, QUE SERVE MAIS PARA ESCONDER IGNORÂNCIAS E INCOMPETÊNCIAS DO QUE REALMENTE PARA FAZER VINHOS QUE RESPEITAM A UVA, O TERROIR OU, O MAIS ESQUECIDO DE TODOS, O CONSUMIDOR QUE PAGA E BEBE O VINHO. DURANTE ALGUM TEMPO, RESPONDIA QUE FAÇO UMA “ENOLOGIA INTERPRETATIVA”, O QUE NÃO É NEM DIZ NADA. 😆

PORTANTO, NÃO SIGO UMA FILOSOFIA EM ESPECIAL, EMBORA, SE ME QUISEREM ARRUMAR NUMA CATEGORIA, POSICIONO-ME MAIS PRÓXIMO DAS FILOSOFIAS NATURAIS, AQUILO A QUE CHAMAMOS NORMALMENTE DE "BAIXA INTERVENÇÃO". COMPRO UVAS A VITICULTORES QUE SEJAM BONS E ATENTOS CUIDADORES. FAÇO COM ELES UM TRABALHO DE LONGO PRAZO, QUE INCLUI TAMBÉM A APROXIMAÇÃO A TÉCNICAS MAIS ORGÂNICAS (MAS TENHO DE LHES CONSEGUIR VALORIZAR AS UVAS PRIMEIRO E ATINGIR QUANTIDADES QUE O JUSTIFIQUEM). NÃO PROCURO SOLUÇÕES "BARULHENTAS", MAS SIM SUSTENTABILIDADE PARA A PEQUENA COMUNIDADE QUE SE GERA À VOLTA DOS MEUS VINHOS. NA ADEGA, USO ESSENCIALMENTE SULFUROSO COMO PRODUTO ENOLÓGICO. O PONTO MAIS DECISIVO CONTINUA A SER O USO DE LEVEDURAS INDÍGENAS PARA A FERMENTAÇÃO. NOS RESTANTES PROCESSOS, TENDO A NÃO ADICIONAR OU RETIRAR NADA, MAS... NÃO ME ESCUSAREI A CORRIGIR ACIDEZ OU A FILTRAR DETERMINADO VINHO SE FOR ISSO QUE O EQUILIBRA. E, POR VEZES, É.

SE QUISERES, OS PONTOS-CHAVE DA MINHA ENOLOGIA SÃO: UVAS COLHIDAS COM BASE NA ACIDEZ, USO DE LEVEDURAS INDÍGENAS, DOSES MÍNIMAS DE SULFUROSO, RESPEITO POR QUEM VAI BEBER O VINHO E LIBERDADE.

QUAIS SÃO AS MAIORES DIFICULDADES EM CRIAR UM VINHO QUE REFLETE EXATAMENTE A SUA VISÃO?
HUGO MENDES: EXISTEM ALGUMAS DIFICULDADES QUANDO NÃO O FAZEMOS NA NOSSA ADEGA NEM COM AS NOSSAS UVAS, MAS ATÉ HOJE ESSAS DIFICULDADES FORAM SEMPRE ULTRAPASSADAS COM ALGUMA FACILIDADE. AS MAIORES SÃO, SEM DÚVIDA, O FACTO DE QUERER APANHAR AS UVAS COM BASE NA ACIDEZ E NO PH. SOU SEMPRE O PRIMEIRO A APANHAR AS UVAS E A ABRIR A ADEGA, O QUE COMPLICA A LOGÍSTICA E ME OFERECE CARAS FEIAS.

MAS A GRANDE DIFICULDADE CONTINUA A SER NA VENDA. SOMOS UM SECTOR MUITO ATOMIZADO E DESORGANIZADO, COM MUITA GENTE A PENSAR QUE A CONCORRÊNCIA ESTÁ NA PORTA AO LADO. A MINHA COMUNICAÇÃO TAMBÉM NÃO SE ENQUADRA NOS PADRÕES CONVENCIONAIS, CHATEIO MUITA GENTE E ISSO DIFICULTOU, DURANTE OS PRIMEIROS ANOS, QUE OS VINHOS FOSSEM LEVADOS A SÉRIO.


QUAL A INSPIRAÇÃO E HISTÓRIA DOS MAGNÍFICOS RÓTULOS QUE APRESENTA EM CADA UM DOS SEUS VINHOS?
HUGO MENDES: NA CULTURA DA NOSSA PEQUENA EMPRESA, OS RÓTULOS SÃO A CONTINUAÇÃO DO CUIDADO COM QUE FAZEMOS OS VINHOS. POR UM LADO, GOSTAMOS DE TER NA MESA UM RÓTULO BONITO, POIS ACHAMOS QUE AUMENTA O PRAZER DE QUEM O CONSOME. POR OUTRO, AS GARRAFAS SÃO ÓTIMOS ESPAÇOS PARA PARTILHAR A ARTE DE MUITOS ARTISTAS TALENTOSOS, CUJO TRABALHO, DE OUTRA FORMA, NÃO SERIA CONHECIDO. TEMOS TRÊS LINHAS DE ROTULAGEM: DUAS MAIS “CLÁSSICAS”, LISBOA E TEJO, EM QUE PRETENDEMOS QUE OS RÓTULOS EXPRESSEM A NOSSA ABORDAGEM. LISBOA ESTÁ MUITO MAIS FOCADA NA PUREZA DA ORIGEM, E TEJO, MINHA TERRA NATAL, ONDE DOU LARGAS À VEIA CRIATIVA. NOS VINHOS MAIS OUSADOS, USAMOS UMA LINHA DE ROTULAGEM QUE CHAMAMOS “UDOGART”. AÍ, UTILIZAMOS ARTES ORIGINAIS, CRIADAS PROPOSITADAMENTE PARA NÓS, QUE EXPRESSAM OS VINHOS EM CAUSA OU ALGUMA IDEIA QUE QUEREMOS ASSOCIAR A ELES.


 
QUAL FOI O MAIOR DESAFIO QUE JÁ ENFRENTOU COMO ENÓLOGO E COMO ISSO IMPACTOU A SUA FORMA DE TRABALHAR??
HUGO MENDES: A RESPOSTA MAIS CURTA É SEMPRE A MESMA: “QUE NINGUÉM SE CONSIDERE ENÓLOGO ATÉ ENFRENTAR A PRIMERIA VOLÁTIL!”.

DADO QUE A MINHA FORMAÇÃO FOI EM BIOTECNOLOGIA, COMECEI COMO ADEGUEIRO. TRABALHAVA SOZINHO, COM UM ENÓLOGO CONSULTOR QUE OBVIAMENTE NÃO ESTAVA NA ADEGA 99% DO TEMPO. COMO NUNCA GOSTEI DE DEPENDER DE NINGUÉM E SEMPRE GOSTEI DE PERCEBER O QUE ESTOU A FAZER E O SEU PORQUÊ, TIVE DE ESTUDAR E PERGUNTAR MUITO PARA ME SENTIR CONFORTÁVEL COM CADA AÇÃO. ISSO FEZ DE MIM ENÓLOGO (JUNTAMENTE COM UM VINHO AZEDO! 😆) E DEU-ME A CONFIANÇA PARA OS RISCOS QUE VENHO CORRENDO NESTES QUASE 20 ANOS.


 
A INOVAÇÃO TAMBÉM É UM TEMA CENTRAL NA VINICULTURA MODERNA. QUAIS INOVAÇÕES ACREDITA QUE ESTÃO A MOLDAR O FUTURO DA PRODUÇÃO DE VINHO E COMO AS APLICA NOS VINHOS QUE PRODUZ?
HUGO MENDES: EMBORA SEJA UM TIPO ROMÂNTICO, APRENDI QUE TAMBÉM TENHO DE SER PRÁTICO. POR EXEMPLO, DE NADA ME SERVIRIA ACREDITAR QUE UMA VINDIMA MANUAL TRAZ MELHORES RESULTADOS DO QUE UMA VINDIMA MECÂNICA SE, NO FINAL DO DIA, NÃO HOUVER PESSOAS SUFICIENTES PARA APANHAR A UVA A TEMPO E HORAS. NA INOVAÇÃO, O QUE MAIS ME IMPORTA É O CONHECIMENTO QUE TRAZ AGARRADO. COM ESSE CONHECIMENTO POSSO TOMAR DECISÕES CONSCIENTES E ASSERTIVAS, QUE RESPEITEM A UVA, O VINHO E AS PESSOAS QUE O VÃO BEBER.

OS VINHOS QUE QUERO FAZER NÃO NECESSITAM DE MUITA INOVAÇÃO, MAS BENEFICIAM DE TODO O CONHECIMENTO QUE EU POSSA TER.


 
QUAL É O VINHO FAVORITO QUE JÁ PRODUZIU E PORQUÊ?
HUGO MENDES: ESSA É SEMPRE A PERGUNTA MAIS DIFÍCIL DE RESPONDER. TENHO MUITO ORGULHO NO TRABALHO QUE DESENVOLVI, SEJA COMO ENÓLOGO, SEJA COMO PRODUTOR. HÁ VINHOS QUE, PELA SUA IMPORTÂNCIA, SERÃO SEMPRE MARCANTES. O MYRTUS RESERVA 2008 FOI O PRIMEIRO QUE FIZ COM IDEIAS MINHAS. O QUINTA DA MURTA CLÁSSICO 2015 FOI O CULMINAR DE ANOS E ANOS DE APRENDIZAGEM, ENSAIO, TENTATIVA E ERRO. O QUINTA DA MURTA ESPUMANTE 2015 DESTACOU-SE PELA "PERFEIÇÃO" TÉCNICA.

HOJE, INTERESSA-ME MAIS O HISTÓRICO DAS REFERÊNCIAS DO QUE COLHEITAS ISOLADAS. TER UMA COLHEITA ESPECIAL É MUITO BOM MAS RARAMENTE DEPENDE DE NÓS, DEPENDE SOBRETUDO DOS FATORES DO ANO SE DERMOS SEMPRE O NOSSO MELHOR. CONSISTÊNCIA E REGULARIDADE É QUE SÃO AS PALAVRAS MÁGICAS QUE ASSOCIO À PERFEIÇÃO. NESSE SENTIDO TEREI DE DESTACAR O CASTELÃO E O CURTIMENTA COMO “FAVORITOS”. QUE OS OUTROS NÃO ME LEIAM.😅


 
QUE CONSELHOS DARIA AO CONSUMIDOR QUANDO BEBE UM VINHO DA MARCA HUGO MENDES, PARA QUE O VINHO DEIXE DE SER GRANDE VINHO (PORQUE SÃO), PARA SER MEMORÁVEL?
HUGO MENDES: OBRIGADO PELO “GRANDE VINHO”. 🙂

A MELHOR MANEIRA DE UM VINHO SER MEMORÁVEL, NA MINHA OPINIÃO, É FAZENDO PARTE DE UM MOMENTO MEMORÁVEL. PORTANTO… PARTILHEM-NO COM PESSOAS QUE VOS FAÇAM SENTIR FELIZES, FOQUEM-SE NELAS E NO MOMENTO. COM SORTE, O VINHO FARÁ O SEU PAPEL E SERÁ RECONHECIDO POR ISSO.

EM MUITOS CASOS, DECANTÁ-LO TAMBÉM AJUDA A AUMENTAR O CHARME, E OS NOSSOS VINHOS SUPORTAM BEM O USO DO DECANTER.

O QUE AINDA FALTA REALIZAR NA SUA CARREIRA COMO ENÓLOGO? QUAIS SÃO OS SEUS OBJETIVOS A LONGO PRAZO?
HUGO MENDES: UI... ENQUANTO ENÓLOGO, FALTA-ME O CONFORTO DE TRABALHAR A MINHA VINHA NA MINHA PRÓPRIA ADEGA. TENHO, FELIZMENTE, CONSEGUIDO FAZER OS VINHOS QUE AMBICIONO E TENHO TIDO ALGUM SUCESSO COM ELES. AO PROJETO FALTA APENAS A MATURIDADE QUE SÓ O TEMPO TRAZ (DIZEM QUE ACONTECE AOS 10 ANOS… JÁ NÃO FALTAM MUITOS!). A LONGO PRAZO, QUERO ESTABILIZAR OS NÚMEROS DA PRODUÇÃO, AVANÇAR PARA UM ESPAÇO PRÓPRIO E LIBERTAR TEMPO PARA ME DEDICAR A OUTROS PROJETOS QUE ESTÃO NA GAVETA. POR UM LADO, QUERO COMPILAR E ESCREVER SOBRETUDO NA ÁREA DA DIVULGAÇÃO. ALÉM DISSO, HÁ UM PROJETO/SONHO MEGALÓMANO QUE GOSTARIA DE IMPLEMENTAR. CHAMO-LHE “WINE CAMP”, E TAL COMO O IDEALIZO, SERÁ UM ESPAÇO DE ENCONTRO E PARTILHA ENTRE TODOS OS INTERVENIENTES DO SETOR (PRODUTORES, ENÓLOGOS, CONSUMIDORES, CRÍTICOS, JORNALISTAS, ETC.), ALGO QUE NÃO TENHO CONHECIMENTO QUE EXISTA. NUMA PALAVRA… QUERO CRIAR UMA COMUNIDADE VÍNICA.


 
PARA QUEM ACOMPANHA O TRABALHO DO HUGO MENDES, TAL COMO A UNCORK WINES, QUANDO VAMOS TER UM VINHO INSPIRADO NO “MIGUEL SANTOS”? :D
HUGO MENDES: AH, AH, AH. É POSSÍVEL QUE NUNCA. SOU MUITO SÉRIO A FAZER VINHOS, POR ISSO POSSO SER POUCO SÉRIO NA HORA DE OS COMUNICAR. TRADICIONALMENTE SOMOS UNS CHATOS, SEMPRE A TENTAR EMPURRAR INFORMAÇÃO QUE NÃO ACRESCENTA NADA AO PRAZER DE QUEM VAI BEBER O VINHO. NÃO É DIFÍCIL CAIRMOS NA AUTO-VALORIZAÇÃO, TIPO "OLHA AQUI O MUITO QUE EU SEI DISTO!", EM VEZ DE "OLHA AQUI O PRAZER QUE VAIS TER COM ISTO!".

O MIGUEL SANTOS, TAL COMO O ANÍSIO CUNHA, A D. COSTÓDIA E TODOS OS DEMAIS DEMÓNIOS QUE HABITAM A MINHA CABEÇA, SERVEM O PROPÓSITO DE PASSAR UMA IMAGEM FELIZ, ALEGRE E LEVE DA MARCA, AO MESMO TEMPO QUE ME PERMITEM DIVERTIR… E SE EU ME DIVIRTO A FAZER POUCO DESTA NOSSA SOCIEDADE DE “FELICIDADE DE FAZ-DE-CONTA”.


 

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